sábado, 11 de fevereiro de 2012

Conversas Cartomânticas: Kelma Mazziero e a Rainha de Espadas - Atire a primeira pedra quem não a reconhece



Olá pessoal. Eu acompanho o trabalho da Kelma Mazziero há uns bons anos. Acompanhei toda a escrita do livro Cartas na Mesa. E a conheci pessoalmente na Confraria Brasileira de Tarot. É de uma simpatia ímpar. Touro ascendente Touro, no mesmo grau de simpatia, tem praticidade. É, para mim, a melhor abordagem das cartas: buscar a raiz da questão, não o poema. Me divirto muito lendo os textos dela, que recomendo a quem, como eu, tenta ver Arcanos no cotidiano, não no transcendente, que, por ser transcendente, já é Arcano - não precisa de mais mistérios além daqueles que já tem!
Contatos com a autora: blog Cartas na Mesa, site Tarô Virtual.



Rainha de Espadas
Art Nouveau

Rainha de Espadas é a carta da corte perfeita para se fazer um espelho – ou reflexo – da persona polêmica e instintiva que ali se manifesta. Forte, de pulso firme, com mente sagaz, observadora compulsiva e veloz, age e reage com precisão. Ela é a mais temida e detestada quando se reflete em outra pessoa - qualquer um - que não seja a gente mesmo. Contudo, quando brota em nós, é a mais prazerosa das criaturas. Ela desperta o que é radical, extremo, provoca julgamentos e condenações. Mas como é possível tanto paradoxo numa só imagem?


Rainha de Espadas
Pallas
Dame Fortuna

Simples. Viver a Rainha de Espadas é conseguir dar a volta por cima depois de sofrer, de se decepcionar, de amargar alguma coisa realmente importante. Pode ser aquele relacionamento que surgiu de maneira incrível e terminou numa traição vil, pode ser a amizade que se mostrou falsa e gerou humilhação, pode ser um emprego sonhado que se torno maldição. Qualquer situação significativa que tenhamos vivido, que acreditávamos com todas as nossas forças... e acabou se mostrando um engodo. Depois do susto, do sofrimento, ela surge! A Rainha faz respirar fundo, limpar as lágrimas, tirar a sujeira da roupa e decide que nada daquilo irá defini-la. “O que mata, me fortalece”. E ela renasce muito mais atenta, desconfiada, sarcástica, capaz. Poderosa. Sim, porque o poder está diretamente ligado à posse e à perda. Aqui não vale (nem cabe) definir o que está certo ou errado, não tem a menor graça apostar no politicamente correto, não adianta tentar discurso moral. Só ela sabe o que viveu, só ela sabe como superou, portanto, só ela sabe como irá seguir daquele ponto em diante. Portanto, a Rainha de Espadas se manifesta, sim, para todo mundo em pelo menos um momento da vida. E é ela que permite sentirmos o sabor da reviravolta e da capacidade de se aprender apanhando. Quando sentimos na pele uma lição cruel não nos damos conta de que fomos inflexíveis, cegos, atirados numa meta sem pensar nas conseqüências. Só sentimos que não podemos ter tudo o que queremos e isso é uma lição muitas vezes regada a retaliação, orgulho, persistência.


Rainha de Espadas
Visconti-Sforza (Lo Scarabeo)

Curioso é o revés dessa moeda. Quando somos impiedosos tudo parece justo (desde que superemos aquilo que nos fez sofrer). Mas, quando encontramos em nossas vidas alguém que esteja em seu momento Rainha de Espadas, o cenário muda. Drasticamente. Isso porque a Rainha não dá brecha pra gente. Ela é cruel, dura, ácida, racional. Notamos que suas emoções são amargas, que ela é precisa, não facilita absolutamente nada pra ninguém. Pode ser alguém que gostava da gente e passou a detestar, pode ser um colega de trabalho ou patrão que não aceita falhas e não confia em ninguém se tornando competitivo e difícil de conviver, pode ser um familiar que não permita que se viva fora de seu controle ou domínio. O mais interessante é que, ao assumirmos essa carta, não notamos o quanto estamos dificultando as coisas para os demais. Mas, quando nos deparamos com ela fora de nós, sentimos a mais pura aflição por sermos seu alvo.

Rainha de Espadas
Marseille Grimauld
Repare na sua espada vermelha, como que
banhada em sangue. A única espada vermelha
do Tarô de Marselha.

Assim como (quase) tudo na vida, é muito mais fácil justificar nossos próprios erros do que fazermos isso com os outros. E a chave que dissolve toda essa força da Rainha de Espadas é justamente o perdão. Porque, enquanto não há perdão, não é possível deixar o que houve no passado e partir pra algo novo (não vale viver o novo com a dor do passado, senão é só repaginar “mais do mesmo”). A inflexibilidade que nos leva a desconfiar do mundo e dar a volta por cima é a mesma que faz com que não consigamos encontrar uma forma de nos relacionarmos com quem é inflexível. O perdão é, portanto, a única forma de se dar um basta no ciclo “olho por olho, dente por dente”. Como diz o ditado: “Perdoar não é esquecer, é aprender a lembrar sem dor”, porque existem coisas que não esquecemos, mas são passíveis (e possíveis) de se compreender e conviver sem carregar junto a dor que nos fizeram passar.
Rainha de Espadas é osso duro de roer para quem precisa lidar com ela. Mas não há como dizer que é postura desprezível, nem há como afirmar que pode se viver sem experimentá-la... muito menos ignorá-la. Ela é a mais pura reação, que por pior que possa parecer, consegue fazer qualquer um dar a volta por cima e continuar a vida ainda mais forte e indestrutível num momento em que nos sentimos presos por um fio. Basta entender, dosar... e perdoar. Assim ela existe, mas não persiste para todos (todos!) nós.


Abraço e obrigada

Kelma Mazziero





Nota do Editor: Assim como o baralho Dame Fortuna, acima apresentado, os baralhos de Piquet franceses relacionam a Rainha de Espadas com Pallas, a Deusa Athena. Ela é a única Deusa relacionada nessa atribuição. No Sola-Busca, temos Olímpia, a mãe de Alexandre, o Grande. Meditações, meditações... Ah: e teve essa imagem aqui, do Barbara Walker, que eu não tive coragem de postar, mas fica o link para os corajosos (ou curiosos, vá saber.)

4 comentários:

  1. Verdade, quando nos deparamos com ela fora de nós,sai de baixo, porque ela e cruel.Belo texto.

    ResponderExcluir
  2. Blog maravilhoso!!!

    Sempre trazendo Reis e Rainhas com seus brilhantes textos!

    Parabéns! Grato.

    Antônio.

    ResponderExcluir
  3. Olá, tudo bem Kelma? Adorei sua visão da Rainha de Espadas.
    Beijos.

    ResponderExcluir

Quando um monólogo se torna diálogo...